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Eleanor de Aquitânia

  • Foto do escritor: Neide Miele
    Neide Miele
  • 14 de set. de 2022
  • 16 min de leitura


Impossível descrever Eleonor de Aquitânia sem mencionar os acontecimentos políticos e religiosos do seu tempo. Ela foi contemporânea de Hildegard von Bingen, que estava com 57 anos de idade quando Eleanor nasceu, mas ambas foram divergentes sobre o significado do casamento. Hildegard tinha um posicionamento rígido em relação à sacralidade do matrimônio, já Eleanor conseguiu anular seu casamento com o rei da França, depois separou-se do rei da Inglaterra. Eleanor integrou a 2ª Cruzada para Jerusalém. Porém, mais do que as guerras, Eleanor foi peça chave para difundir o trovadorismo e o amor cortês, originários do Ducado de Aquitânia, no sul da França, assim como as lendas arturianas sobre a busca do Santo Graal e os romances de cavalaria sobre a Távola Redonda, contos medievais originários da Inglaterra.



Em um dia indefinido do ano de 1122 nasceu uma menina, filha do Duque de Aquitânia, Guilherme X e de Aenor de Châtellerault, que recebeu o nome de sua mãe Aenor e para não confundi-las, a pequena era chamada de Aliénor, do latim Alia Aenor, que significa “a outra Aenor”.Ela teve um irmão mais velho, que morreu aos 4 anos de idade, e uma irmã mais nova, Petronila.

Contrastando com os senhores feudais da época, geralmente analfabetos, o pai de Aleanor era um homem culto, que se esforçou para oferecer às filhas uma educação esmerada. Elas eram fluentes em diversas línguas, aprenderam matemática e astronomia, discutiam leis, filosofia e teologia. Esta educação foi excepcional – no sentido de maravilhosa e de exceção mesmo, visto que o medievo foi uma época de profunda exclusão das mulheres. Mas não foi apenas a educação diferenciada que tornou Eleanor a mulher que ela foi. Não resta dúvida que por trás de sua educação havia uma personalidade incomum.

Eleanor desenvolveu um espírito crítico e uma sagacidade política incomuns. Percebendo tais características em sua filha e herdeira, Guilherme X envolveu-a desde cedo nos assuntos políticos, levando-a nas visitas que fazia aos seus territórios, treinando-a para conduzir o Ducado de Aquitânia depois de sua morte. Parece que seu pai foi premonitório, pois ele veio a falecer aos 38 anos de idade, tornando Eleanor sua sucessora, Duquesa da Aquitânia, aos 14 anos de idade. Antes de completar 15 anos, em 1137, ela se casou com Luis, filoho do rei dos Francos. Pouco tempo mais tarde o filho sucederia seu pai, tornando Eleanor rainha da França.



Problemas com esse casamento: Luis VII, seu primeiro marido não era o primogênito, portanto, como era costume na época, ele foi destinado à batina, provavelmente para ser um futuro papa, por isso foi enviado ao mosteiro ainda criança. Mas, a morte de seu irmão mais velho, Filipe, alterou o plano.

Não tendo sido preparado para ser rei, e vivendo no monastério, Luis não tinha experiência em viagens, nem treinamento para monarca, ao contrário de Eleanor que, além de ter sido treinada por seu pai, conhecia de perto os relatos das aventuras do seu avô, Guilherme IX, pai do seu pai, que havia participado da 1ª Cruzada. Esse casal devia ser bem peculiar: Eleanor treinada para ser monarca e Luis treinado para ser monge. O resultado não podia ter sido outro. Ela pediu a anulação do seu casamento. Além do mais, Eleanor detestava a vida na corte francesa, que ela considerava tosca. Segundo Eleanor, Paris não tinha o glamour e a cultura do Ducado de Aquitânia, com seus trovadores e o amor cortês.

Luis VII, financiou e liderou a 2ª Cruzada, da qual ela participou, fato inusitado naquela época, porém perfeitamente normal para Eleanor. Se o rei não tinha nenhuma habilidade com as estratégias de guerra, a rainha era aluna perspicaz e ouvira muitas estórias de guerra, sobretudo as do seu avô. Dizem que ela era mais capaz que seu marido na liderança da tropa, por isso era mais respeitada.

Eleanor foi muito criticada pelos historiadores medievais: primeiro, por ter ido a esta expedição; segundo, por ter levado 300 damas de companhia e incontáveis carruagens com as bagagens de todas; terceiro, por vestir calças masculinas durante a cruzada.

Eleanor foi encontrar-se com seu tio, irmão de seu pai – Raimundo de Poitiers – que havia se tornado Príncipe de Antioquia – ao tomar terras durante a primeira cruzada. Raimundo queria que as tropas de Luis invadissem novas terras ao redor de Antioquia, a fim de ampliar seu reino, mas Luis VII recusou-se. A 2ª cruzada foi um desastre.

O avô de Eleanor, Guilherme IX, foi o primeiro trovador de Aquitânia e integrante da primeira Cruzada para libertar a Terra Santa. Ele foi casado 5 vezes, sendo que as duas primeiras esposas foram repudiadas porque ele havia se apaixonado por outra. As cantigas de Guilherme versavam sobre sexo, amor e mulheres. Tais temas na Idade Média, quando a música sacra era quase que exclusiva, provocou muito escândalo. Mas, seu avô, não era nada religioso e gostava de chocar, apesar de ter sido várias vezes ameaçado de excomunhão. E por que ele era assim? O Ducado de Aquitânia prestava vassalagem a Pedro II, rei de Aragão, futura Espanha, que há mais de 300 anos estava sob domínio otomano, que naquela época foi um grande difusor cultural, muito diferente da Igreja romana.

Como podemos observar, Eleanor herdou mais do que as terras da Aquitânia, seu perfil insubmisso foi fortalecido pelas circunstâncias familiares e pela educação que teve. Após quinze anos como rainha da França, em 1152, ela ousou pedir a anulação do seu casamento com o rei, concedida pelo papa Eugênio III. As duas filhas do casal, Maria e Alice, ficaram sob a custódia do pai, mas, as terras de Aquitânia lhes foram devolvidas.


Apenas oito semanas depois, em 18 de maio de 1152, Eleanor se casou com o inglês Henrique Plantageneta, Duque da Normandia e Conde de Anjou, levando o Ducado de Aquitânia para a Inglaterra. Dois anos depois do casamento, em 1154, o casal assumiu o trono inglês. No entanto, logo depois do casamento Henrique caiu nos braços de uma amante chamada Rosamundi. Eleanor não gostou. Ela estava apaixonada por ele, no entanto, parece que Henrique estava mais interessado nas terras dela do que nela.

O casamento de Eleanor com Henrique foi outro desastre. Ela continuou sendo o que era, mas Henrique não tinha o temperamento de Luis. Durante os treze primeiros anos de casados, Henrique e Eleanor tiveram oito filhos, entre os quais dois sucederam o pai no trono inglês, Ricardo Coração de Leão – nascido no dia 08 de setembro de 1157 e coroado em 1189 aos 32 anos de idade, líder da 3ª Cruzada para Jerusalém, reinando por apenas 10 anos. O irmão de Ricardo e seu sucessor, João Sem Terra, foi coroado em 1199.

Desconsolada com a atitude do marido, Eleanor cercou-se de poetas, romancistas, pintores e demais artistas. Já Henrique, continuou tendo suas amantes e gerando 10 filhos ilegítimos, alguns dos quais criados pela própria Eleanor junto com os seus.

Henrique II foi um líder capaz, e um governante energético, às vezes implacável. Bem antes de Henrique VIII, Henrique II iniciou o processo de minar o poder da Igreja Católica na Inglaterra, determinando que os religiosos que tivessem cometido crimes de direito comum fossem julgados por tribunais civis e não eclesiásticos; além de estabeleceu um conjunto de impostos sobre as ordens religiosas fato inédito.

Logo depois do casamento com Eleanor Henrique entrou em um conflito com o ex-marido de Eleanor Luís VII e os dois reis iniciaram uma guerra centenária. Tendo sido treinado para guerrear, Henrique ampliou suas conquistas dentro dos territórios franceses, frequentemente às custas de Luís, tomando a Bretanha francesa ao norte e Toulouse ao sul, vizinho de Aquitânia. Depois de 20 anos de casamento, Henrique controlava além da Inglaterra, boa parte de Gales, a metade leste da Irlanda e a metade oeste da França, uma área chamada de Império Angevino, tornando-se tão poderoso ou mais que o próprio rei francês.

O relacionamento de Henrique com Eleanor era complexo: Apesar das amantes que tinha, Henrique confiava em Eleanor para administrar a Inglaterra, que ela o fez em diversas ocasiões. Historiadores especularam sobre o que levou Eleanor a abandonar Henrique.

Enquanto os filhos cresciam, começaram a aparecer tensões sobre a futura herança do império. Em1170, depois de 18 anos de casada com Henrique, Eleanor abandonou a Inglaterra e foi para Aquitânia.

Naquele ano, Henrique decidiu dividir sua herança, dando territórios para cada um dos seus filhos. O resultado foi desastroso uma vez que os príncipes decidiram apropriar-se das terras, antes da da morte do pai. Henrique o Jovem e Ricardo revoltaram-se contra o pai pela posse da Normandia e de Anjou, no que foram apoiados por Eleanor, que não tinha apreciado as intromissões de Henrique no Ducado da Aquitânia. Em 1173 foi a própria Eleanor quem iniciou uma rebelião contra o rei por causa do Ducado de Aquitânia. Derrotada, ela foi presa e colocada na prisão durante os 15 anos seguintes, até a morte de Henrique, em 1189, quando seu filho Ricardo Coração de Leão subiu ao trono.



Logo depois de assumir o trono da Inglaterra, Ricardo organizou e partiu junto com a 3ª Cruzada, deixando Eleanor como rainha regente do trono inglês.

Como rainha da Inglaterra, Eleanor não esvaziou os cofres para sustentar a 3ª cruzada. Para ela Cruzada em uma terra distante era um desperdício de $ e de energia, por isso ela canalizou seu esforço para fortalecer seu reino.

Eleanor manteve os nobres da Inglaterra leais a Ricardo enquanto este esteve na Cruzada. De volta, em 1194, Ricardo só reinaria por mais cinco anos antes de morrer, em 1199, devido um grave ferimento. Cinco anos depois Eleanor morreu, em 1204.


O período em que Eleanor separou-se de Henrique e voltou para Aquitânia é o mais estudado pelos historiadores da literatura trovadoresca. Alguns estudiosos formulam a tese de que os poemas de Amor Cortês são alegorias para as crenças cátaras, que veneravam “Sophia” (sabedoria). Para outros estudiosos, o conhecido motivo da donzela em perigo, presa na torre do castelo, é uma representação simbólica da ALMA, presa ao corpo, ansiosa por ser Libertada por um valente e nobre cavaleiro, o Espírito.

Em 1147, o papa Eugênio III enviou Bernardo de Claraval, o São Bernardo, para a Occitânia, cuja população tinha grande estima pelos cátaros. Sucessivas missões foram enviadas, até que em 1163 o Concílio de Tours subiu o tom das ameaças, subindo ainda mais nos Concílios de Latrão em 1178 e 1181 até que o papa Inocêncio III chegou ao poder em 1198, decidido a acabar com os cátaros.

Eleanor acompanhou de perto toda essa tragédia. Os escritos e sermões de Bernardo de Claraval e Hildegard von Bingen, chegaram aos ouvidos dela. Contudo, no Ducado de Aquitânia, ela, sua filha Marie de Champagne, filha do seu primeiro casamento, junto com as damas da corte, discutiam: será que o amor verdadeiro poderia existir no casamento?

Não sabemos a que conclusão chegaram, mas, deixo aqui a sugestão para que leiam na íntegradois artigos maravilhosos: 1) do prof Ricardo da Costa: Entre a Pintura e a Poesia: o nascimento do Amor e a elevação da condição feminina na Idade Média. 2) Leonor de Aquitânia, uma rainha que sonhou unir a Europa,De Helena Vasconcelos.


Amantes, século XV, Pintura sobre madeira

Teto do claustro da Abadia de Sto Domingo de Silos, Burgos (Espanha)

Primavera, desabrochar das flores. Um jovem casal de enamorados se encontra em uma “Ilha do Amor”e estão cercados de águas por todos os lados e de plantas aquáticas, exóticas, que circundam o espaço. O ambiente transpira paixão. Os rostos estão colados, postura típica dos enamorados medievais; as vestes de ambos têm o mesmo bordado e a mesma cor, indicando a harmonia e a perfeição do amor do casal. As mãos, repare na posição das mãos do casal: a dama impede suavemente o avanço do cavaleiro, com sua mão esquerda tocando o peito dele; sua atitude é aparentemente contida, já que sua mão direita o envolve. Ela quer e não quer. Por sua vez, o cavaleiro, apaixonadamente ousado, a abraça com sua mão esquerda, enquanto a direita, insinuante, acaricia carinhosamente um de seus seios. Na parte superior da imagem, duas faixas vindas da esquerda e da direita se entrecruzam no meio e evoluem para baixo, formando uma figura triangular que dá a impressão de estar viva, pois no interior de suas linhas se espremem dezenas de “copos-de-leite”, considerada erótica por possuir um talo arredondado em torno do qual se desenvolve a flor branca - símbolo feminino – e um caule amarelo no meio - representando o falo. As mãos no peito e as flores eróticas circundando a cena indicam que o momento do amor se aproxima. Esse sentimento, o amor, foi “inventado” na Idade Média. Sim, essa mesma Idade Média execrada por muitos, seja por desconhecimento, preconceito ou simplesmente porque nunca amaram nem escreveram poemas de amor, diz o professor.



A Idade Média cultivou e enalteceu esse sentimento, criando uma nova e revolucionária forma de relacionamento homem/mulher que continuou até hoje, apesar dos brutos. Aqueles homens do século XII deram origem a uma maneira sensível de expressão que foi denominada amor cortês. A palavra “cortesia”, sobretudo no trato dispensado à mulher, vem dessa maravilhosa invenção.

A cortesia medieval era uma qualidade mundana, uma virtude essencialmente laica e que dizia respeito ao comportamento social compartilhado nas cortes reais e feudais dos castelos no século XII. Cortesia era um refinamento de costumes, uma arte de viver, uma sociabilidade e, principalmente, uma fina educação para com a mulher.

Ser amável, educado e fino. Saber expressar seu amor de forma gentil: essa foi a primeira e principal fase na transição do homem-guerreiro bruta-montespara esse novo-homem cortês do século XII, um cavaleiro que caminhava a passos largos para se tornar um cavalheiro.

Essa revolução silenciosa e amorosa foi tão profunda na história do ocidente que as “gentilezas” que expressam hoje o amor romântico, surgiram no século XII. Sem dúvida, trata-se de uma grande transformação histórica que elevou a condição feminina!

Isso não existia na tradição judaica, germânica, árabe ou hispânica, na Grécia ou na Roma clássica, ou mesmo até o início da Idade Média. O nascimento do amor cortês no século XII, foi um dos melhores legados que a Idade Média deixou para o nosso tempo. Assim, o cultivo do amor por parte dos homens, melhorou muito a condição feminina.



Como os homens tratavam as mulheres antes do século XII?

Parece ser consenso entre os historiadores que a mulher não era tratada com qualquer tipo de ternura, muito pelo contrário. Vivendo em uma sociedade que enaltecia a força viril masculina, a função da mulher era procriar, e apanhar.

No tempo de Filipe II filho de Luis, 1º marido de Eleanor, o gesto de violência mais comum era o soco no nariz. Há um relato em que, num acesso de raiva, o rei Filipe II, erguendo o punho, atingiu sua esposa no nariz com tal força que tirou quatro gotas de sangue. E a rainha disse: Meus mais humildes agradecimentos. Quando lhe aprouver, pode fazer isso novamente.

Aos olhos da Igreja, um homem, de rei a servo, não cometia nenhuma infração jurídica se batesse ou espancasse sua mulher, desde que não a matasse.



A dignidade de Eleanor jamais permitiria que ela fizesse esse tipo de comentário, mesmo naquela época, em que a mulher era demonizada, fosse rainha ou serva. A Igreja tinha um discurso misógino e o povo acreditava que as mulheres possuíam influência até sobre os eclipses lunares. Para eles, a mulher dominava as forças da natureza. A mulher era umgrande mistério,geralmente maléfico.

Dessa forma, não é sem razão que, quando uma mulher falava de amor, no mundo medieval, estivesse sempre se referindo a experiências vividas com carinhosos e solícitos amantes, nunca com o marido.



Guilherme, duque da Aquitânia e avô de Eleanor, é considerado o primeiro trovador medieval. Em sua corte teria nascido o amor cortês. Em seu tempo, Guilherme estimulou a disseminação da “alegria profana”. Reuniu cantores e integrantes das cavalarias para celebrar o prazer proporcionado pelas mulheres e pelos novos valores da cortesia. Como no sul da França a Igreja romana não exerceu tanta influência como no norte, os clérigos não tiveram força suficiente para impedir o surgimento de uma cultura profana.

Somado a isso, é fato que a mulher nobre medieval, ao contrário das lendas difundidas posteriormente, nunca viveu como uma prisioneira em seu gineceu, pelo contrário. Muitas vezes elas defendiam militarmente seus castelos como verdadeiros cavaleiros; em várias regiões herdaram feudos, governando-os muitas vezes com dureza, tendo assim recebido a admiração de seus contemporâneos.



O século XII proporcionou às mulheres a novidade de protagonizar e dirigir o salão. Dona da corte, ela tornou-se uma cortesã (palavra que depois se tornou pejorativa). Cortesã nada mais era do queuma mulher da nobreza que gentilmente recebia poetas, cantores e artistas em seu castelo. Eleonor da Aquitânia é o melhor exemplo do patrocínio feminino da poesia amorosa.

Cortesã, cortejada: o grande “salão das damas” era o lugar no castelo onde os cavaleiros, agora também poetas, tentavam mostrar seus talentos literários, todos dirigidos a ela. Lá os homens se colocavam sob o poder das mulheres.



A mais intrigante característica desse amor medieval é a submissão absoluta do homem à dama. E mais: ele é solteiro e jovem; ela é casada e mais velha! Sendo casada, a mulher sofria, muitas vezes calada, os incontáveis abusos do marido, mas, em contrapartida, ela criou seu próprio direito ao Amor.

Naquele jogo, onde a mulher era quem sempre vencia, o homem se prostrava diante dela, mesmo sendo fisicamente mais forte. Por amor, ela se tornou a senhora, a dama, e ele, o vassalo, o submisso, aquele que prestava juras de fidelidade absoluta e agia sempre com moderação, para não colocar em risco a reputação da mulher amada, já que ela era uma mulher casada.

Na poesia trovadoresca a beleza da mulher era exaltada e seu nome ocultado, pois os trovadores usavam recursos para resguardar o nome de sua amada. O amor da dama é inacessível, intocável, distante. Claro, o segredo era a arma poderosa contra os fofoqueiros das cortes.


Cantando poemas rimados e acompanhados por instrumentos de som agradável, os homens das cortes medievais estabeleciam contatos, sem, contudo, desobedecer às normas do código de amor cortês que eles mesmos criaram para estarem perto da amada.

Os defeitos femininos deveriam ser apagados, esquecidos e suas virtudes glorificadas, exaltadas, e supervalorizadas até o ponto em que o objeto daquele amor fosse tão sublime quanto o próprio amor. A idealização da mulher amada fazia com que o poeta a afastasse da realidade. Mas, esse amor romântico, platônico e fiel foi, aos poucos, dando lugar ao amor carnal, insaciável e repleto de deslealdade.

Na corte de Aquitânia foi inventado um Tribunal para julgar a deslealdade. André Capelão, um autor medieval, faz maravilhosas descrições dos tribunais femininos. O incrível cenário era esse: dezenas de damas reuniam-se em uma assembleia feminina, espécie de “tribunal do amor”, para ouvirem queixas e julgar delitos cometidos por amantes, delitos que infringiam as “leis” do amor cortês, um código de conduta aceito por todos. Em outras palavras: tratavam-se de reuniões femininas “a portas fechadas” sobre mulheres adúlteras e amantes fogosos! E tudo isso sem o conhecimento dos maridos traídos!

André Capelão comenta vinte e uma sentenças proferidas pelas damas: sete emitidas por Mary de Champagne, filha de Eleanor, três pela própria Eleanor, e a mais interessante de todas, foi a sentença emitida pela assembleia das damas da Gasconha sobre o pacto do silêncio:


“Um cavaleiro divulgou desavergonhadamente os segredos dos seus casos. Tanto os homens que servem na cavalaria do amor, quanto as damas, pedem que tal delito seja severamente punido, para que, não deixando impune esse exemplo de traição, não seja dada a outrém a ocasião de imitá-lo.”

Foi então reunida a corte de damas onde se decidiu por unanimidade, que esse indivíduo passaria a ser privado de qualquer esperança de amor, considerado indigno e desprezível por todos, em qualquer corte de damas ou cavaleiros. E se alguma dama violasse a decisão tomada naquela assembleia, concedendo-lhe amor, seria submetida para sempre à mesma pena e passaria a ser alvo da inimizade de todas as mulheres de bem.

Ora, como não perceber essa nova e transformadora condição feminina nos séculos XII-XIII?



Mais uma sentença dos tribunais femininos mostra que, definitivamente. o amor cortês não era platônico, como muitos equivocadamente afirmam. Um cavaleiro padecia de amor por uma dama e não tinha oportunidade de falar-lhe. Com o consentimento dela, recorreu a um confidente, que levava as mensagens amorosas para os dois. Com o passar do tempo, o confidente que aceitara o papel de intermediário, rompeu o voto de fidelidade que devia aos dois e começou a obrar em favor próprio. A dama teve a indelicadeza de consentir em suas chantagens e finalmente entregou-se a ele, atendendo a todos os seus desejos.

O “amante traído” denunciou o caso à condessa de Champagne, pedindo sua arbitragem. A condessa, após consultar sua corte de damas – sessenta! – proferiu a seguinte (e furiosa) sentença:

Esse amante trapaceiro encontrou uma mulher digna de seus méritos, pois que não hesitou em consentir com tão grave delito, deve comprazer-se, caso queira, nesse amor fraudulento, e a ela caberá ficar com o amante de que é digna. Mas os dois deverão permanecer para sempre privados do amor de qualquer outra pessoa; que nem um nem outro sejam mais convidados para as assembleias de damas ou para competições de cavaleiros; pois ele pecou contra a fé da cavalaria (traindo seu amigo), e ela agiu vergonhosamente e atentou contra o pudor das damas, ao aceitar o amor de um confidente, ou seja, daquele que transportava as cartas.


Ou seja, a dama, mulher mais velha e casada, trai o marido com um amante mais jovem, solteiro, e que lhe é fiel, mas, depois, ela trai o amante com outro amante, e o tribunal feminino julga a segunda traição. E, provavelmente, o marido nunca soube do que aconteceu, nem do chifre, nem da curiosa sentença do tribunal feminino.


Eleanor ousou questionar o sacramento do casamento, que a mulher tinha que aceitar “na marra”, nada mais que um contrato imposto às mulheres ricas ou pobres, desde que a propriedade privada foi inventada. A mulher foi rebaixada à condição de “matriz” reprodutora. Junto com o rebanho, a mulher foi jogada dentro do “cercado” patriarcal, como um objeto do qual seu senhor era o dono. Se tivesse um filho do sexo masculino, sua obrigação estava cumprida. Mas se fossem filhas, estas deveriam continuar o sistema reprodutor de gente, mantendo e ampliando a “conquista” de mais e mais poder, de mais e mais terras alheias. (Para quem está chegando agora e quer saber mais sobre a “cerca”, procure aqui no blog o tema: Quem precisa de mulheres em um mundo de homens?)



Enquanto Hildegard discutia Santo Agostinho e a sacralidade restritiva do casamento, Eleanor recusou-se a desempenhar o papel apagado de reprodutora, sobretudo atribuído às rainhas. Ela lutou contra a “fatalidade de ser mulher”, mudou os costumes que pareciam irrevogáveis, colocando sua sabedoria à serviço dos seus ideais, nunca aceitando que lhe calassem a voz.

Eleanor ousou questionar o casamento indissolúvel. Ele era bom para quem? Haveria possibilidade de existir AMOR em um casamento que mais parecia um contrato de terras? Ela e suas damas criaram um Tribunal Feminino para discutir essas e outras questões.



Eleanor não inventou o amor cortês, mas certamente o transformou. O amor cortês nasceu sob o ponto de vista masculino, cujo objetivo era cantar em verso e prosa as conquistas amorosas “masculinas”.

Eleanor e suas damas mudaram o ponto de inflexão, fazendo da mulher o ponto focal do amor cortês, e aí nasceu o trovadorismo. Os Trovadores abandonam o tema das batalhas, que foram substituídos pelos temas do Amor. Esse Amor, (bem como o Desejo), deixou de ser unilateral, masculino, e passou a ser mútuo. A mulher conquistou o direito de amar e ter prazer.

Graças à esta revolução amorosa, os homens refinaram-se, poliram-se, tornaram-se um pouco mais civilizados, corteses, aprenderam a cortejar a dama até onde ela o permitisse. Elas então passaram a dar a palavra final. Hoje, graças a isso, sem o “sim” feminino, sem o seu consentimento, não há casamento. Dizer “sim” e poder dizer “não” foi uma notável contribuição medieval à mulher.

E se hoje, no mundo ocidental, as mulheres ainda estão lutando em busca de igualdade de condições, devemos reconhecer que o primeiro passo foi dado pelo amor cortês, carinhoso e gentil, criado pelos homens e mulheres medievais.




Eleanor faleceu aos 82 anos de idade, em 1204, sempre com um livro nas mãos. Para além de sua habilidade política, Ela defendeu e promoveu a criação de uma nova sociedade, baseada no Princípio da Fidelidade, não a conjugal, não a um marido violento e abusador, não a um contrato que incluía bens materiais e terras, muitas terras, mas sim a fidelidade defendida pelo Amor.

Foi na corte de Eleanor que as competições de “Justa” cederam espaço para os “torneios do Amor”. A disputa não se dava pela destreza em ferir, machucar e derrubar o outro, mas pela habilidade de compor belas e ousadas canções, combinando histórias de amor com histórias de aventuras, como as do mito do rei Artur e seus Cavaleiros da Távola Redonda em busca do Santo Graal.

Eleanor contribui decisivamente para o desenvolvimento do ideal de cavalaria, uma instituição e uma ordem com regras exigentes que obrigava o homem forte a ser gentil e colocar a sua força ao serviço dos fracos, imperativo que nunca mais aconteceu na história das civilizações, infelizmente.

O desejo inflamado e o repertório dos trovadores incluía desde o amor sutil, elevado, quase sobrenatural, até o meramente sensual, divertido e cínico. O amor cortês era irreverente, sobretudo quando zombava do casamento e do violento marido traído.

O trovadorismo nos deixou a Serenata, e transformou o cavaleiro em Cavalheiro. Ele aprendeu a se comportar gentilmente, caso quisesse manter os arroubos de sua amada. Ele também aprendeu que fidelidade não é garantida por um papel assinado.



Bibliografia:

1) História Medieval: Eleanor de Aquitânia


2) Entre Pintura e Poesia o nascimento do Amor


3) Leonor de Aquitânia: uma rainha que sonhou unir a Europa.



 
 
 

1 Comment


História Medieval
História Medieval
Sep 27, 2022

Que site incrível, que belíssimo texto, e claro obrigado mesmo por mencione o site na biografia como pesquisa!

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